Até hoje me divirto quando me lembro de quando contei para um amigo sobre um imprevisto que passei na Áustria.
Nos meus primeiros dez dias em Viena, a moradora do apartamento de cima esqueceu uma torneira aberta, o que nos causou uma inundação: o teto, as paredes e o chão estavam molhados. No meio do inverno europeu, os bombeiros nos informaram que precisávamos sair, pois o local era inabitável até que uma reforma fosse feita. Conto mais sobre esse episódio neste e neste post.
Conversando pelo WhatsApp com um amigo, relatei essa experiência, e a resposta dele foi um animado "nossa, então você está na Áustria?" 😅 Só depois ele percebeu que o tema era sobre um baita perrengue e falamos a respeito.
Essa história me lembrou o fato de que, muitas vezes, romantizamos a ideia de estar em outro país - afinal, ouvimos falar sobre a qualidade de vida que outros países possuem em comparação ao Brasil. Por um lado, essa interpretação faz sentido, e não é à toa que tantos profissionais que atendo sonham com uma carreira internacional.
Entretanto, me parece fundamental entendermos que não existe lugar perfeito. Além disso, existe um preço a ser pago para vivenciar esse tipo de experiência - sentir saudades de casa é um fator importante, mas definitivamente não é o único.
Lembre-se: uma carreira internacional não é apenas sobre mudar de cargo ou emprego, trata-se de uma mudança de vida. Por isso, compartilho aqui um pouco das adaptações que vivenciei na Áustria, com foco em aspectos pessoais. Tenho certeza de que, ao ler meu relato e o de outras pessoas que passam por uma vivência semelhante, você terá ainda mais referências para entender se essa dinâmica de vida faz sentido para você - pensando em sua carreira e, principalmente, em seus planos de vida. 🤍
FLUENTE É DIFERENTE DE NATIVO
Comecei a estudar inglês aos 7 anos de idade. Aos 14, comecei a cursar espanhol e aos 16 pra 17 tive meu primeiro emprego, como professora de ambos os idiomas. Ao longo da minha carreira, trabalhei em empresas onde, em algum nível, eu colocava esse conhecimento em prática (além da vida pessoal conversando com amigos de outros países).
Com essa trajetória, considero meu nível de inglês fluente. É com ele que me comunico em um país cuja língua oficial é o alemão. Felizmente, uma grande quantidade de pessoas (ao menos no meu círculo de convivência) fala inglês, então isso torna tudo mais fácil.
Entretanto, senti o peso disso quando voltei ao Brasil para visitar a minha família. Falando português a maior parte do tempo, percebi que conseguia me expressar muito melhor, com as gírias que transmitiam exatamente a ideia que eu queria, e até fazer um pedido em um restaurante voltou a ser algo simples e rápido.
A cena da imagem acima me lembrou como eu devo parecer mais "esperta" em português, pois a verdade é que precisamos dedicar uma energia extra para falar um idioma que não seja nossa língua materna. Isso melhora com o tempo e a prática, e definitivamente não é um indicativo do quanto somos inteligentes: mas precisei aprender a ter um pouco mais de paciência comigo mesma (pois costumo raciocinar e falar rápido). Um ponto positivo foi que eu aprendi a pensar mais antes de falar (enquanto busco alguma palavra na memória, por exemplo), o que é muito útil em uma conversa mais acalorada, por exemplo. 😅
APRENDER ALEMÃO CUTUCOU MINHA ZONA DE CONFORTO AINDA MAIS
Quando leio notícias como esta, de que apenas 1% dos brasileiros tem um nível de fluência em inglês, entendo o porquê eu ser trilíngue me diferenciava em processos seletivos. Por anos, eu não tinha o tema "aprender um idioma" no meu radar, mas isso mudou.
Percebi que falar 3 idiomas não é, necessariamente, um diferencial em um continente em que países diferentes estão tão próximos. Visitar outro país pode ter uma distância tão curta quanto ir de um estado para o outro no Brasil (aqui, por exemplo, conto sobre quando peguei um trem de uma hora para visitar a capital do país vizinho).
Eu estava acostumada a ser boa com idiomas. Boa no sentido de fluente. Continuo tendo facilidade em aprendê-los, mas foi incômodo me lembrar que eu precisava começar, do básico, em uma língua completamente nova. Um desafio empolgante? Sim! Mas, além de ser uma língua mais difícil pra mim (em comparação com o inglês e o espanhol), também foi um lembrete de que estudar um idioma na infância ou adolescência (que havia sido o meu caso) é uma coisa - fazer isso enquanto adultos, com uma rotina de trabalho, é um desafio à parte. Conto mais sobre minha jornada nas aulas de alemão neste post.
TURISTAS NÃO COMPRAM CEBOLAS
Não é uma regra, claro. No meu caso, quando visitei outros países por um curto período de tempo (menos de um mês), optei por provar pratos locais, especialmente em estabelecimentos como restaurantes e cafés. Em uma estadia mais longa, as idas ao supermercado são mais frequentes e, mais do que comprar lanchinhos, a ideia é poder cozinhar uma refeição completa.
Na minha primeira experiência sozinha indo ao mercado, tentei aprender a dinâmica por conta própria, sem pedir muitas informações aos funcionários. Pensei: quão difícil seria? Eu já havia ido ao mercado antes na vida, afinal. Acabei levando meia hora para comprar três itens: cebolas (pois não sabia o código para pesá-las e comprar a quantidade que eu queria), pimenta-do-reino (traduzindo pelo celular os rótulos em alemão, e pesquisando os preços) e queijo mussarela (pois havia três espaços diferentes onde os queijos eram armazenados e eu não entendia a lógica por trás). Acredito que, mesmo que as embalagens estivessem em inglês, só o fato de serem marcas diferentes já me causaria alguma dificuldade. Mais tarde, descobri que aquela rede não costumava ter as prateleiras mais organizadas e até pessoas locais se confundiam. De qualquer forma, é estranho sentir que não somos tão independentes assim (ou somos, mas de uma forma diferente) para coisas simples como comprar comida.
Pedir informações é uma opção válida, claro. Sugiro deixar no jeito (no celular mesmo) uma foto do que procura para mostrar, caso o funcionário não fale um idioma que você entenda. Alguns são menos prestativos para ajudar quando há uma barreira como a língua (ou mesmo quando te entendem 😅), outros mais simpáticos... mas faz parte. O atendimento ao cliente varia mesmo, em qualquer lugar do mundo.
O CHURRASQUINHO É ADAPTADO
A alimentação muda. É possível comprar carne em outros países, claro, mas não há um "prato feito" como o nosso ou aquele sabor mineiro, por exemplo (o mais próximo disso acredito que seja o Wiener Schnitzel). Percebo que, enquanto há um refrigerador grande com cortes de carne em um mercado do Brasil, a mesma proporção é aplicada na Áustria para uma diversidade de linguiças: com queijo, com bacon, branca, ideal para grelha, para sopa, etc. Outro exemplo: enquanto no mercado brasileiro há um corredor inteiro para pacotes de cinco quilos de arroz, por aqui o corredor dos potes de legumes em conserva é bem mais popular (os pacotes de arroz são menores). Além disso, um churrasco que tenha predominância de linguiças, cogumelos e legumes frescos é comum.
Os restaurantes brasileiros ajudam a matar a saudade de alguns pratos (como a coxinha e a feijoada), mas nem sempre é algo financeiramente viável para o dia a dia. Podemos cozinhar também, claro, mas dependendo da receita pode ser necessário descobrir em qual tipo de mercado eles estão disponíveis (não vejo o leite condensado, por exemplo, nas prateleiras de qualquer mercado). Além disso, a experiência gastronômica, consumindo pratos locais, faz parte da experiência como um todo ao ter contato com outra cultura. Tenho até os meus pratos preferidos (um que aprendi a fazer é o Palatschinken) e hoje minha rotina inclui diversos pratos locais.
REAPRENDI DESDE COMPRAR ROUPAS ATÉ LEVAR O GATO AO VETERINÁRIO
No meio do inverno, pensei: onde comprar casacos pra um frio dessa intensidade por um preço justo? Foi aí que descobri o mais parecido com um "calçadão" em Viena (a famosa Mariahilfer Strasse). Inclusive, o que é caro ou barato em outra moeda? Na conversão para o Real, quase tudo parece caro, mas os preços são relativos ao custo de vida da cidade. Nessas horas, as dicas de pessoas locais são valiosíssimas.
Outra adaptação foi sobre a forma de pagamento: no Brasil eu quase nunca comprava algo em dinheiro, só com cartão. Entretanto, na Áustria há estabelecimentos (especialmente os mais tradicionais) que aceitam pagamento apenas em dinheiro. Desprevenida, já precisei pedir para um amigo pagar pra mim em um restaurante, e em um salão de beleza (que também precisei aprender a escolher) a resposta foi "não aceitamos cartão, mas o caixa eletrônico fica ali virando a esquina". Saí, saquei o dinheiro e voltei para pagar (sobre isso, achei interessante também a confiança dos funcionários, já que eu estava lá pela primeira vez).
Algo que já era rotina e também reaprendi foi levar meu gato ao veterinário (conto um pouco das aventuras dele aqui). Pensei: quem poderia me indicar um veterinário bom para o meu gato? Será que ele(a) fala inglês? Quanto será a consulta e a vacina? Será que aceitam cartão ou preciso sacar dinheiro antecipadamente? Novamente, conhecer pessoas locais que têm gatos me ajudou a ter uma referência, o que me deixou bem mais tranquila.
Uma alternativa para criar um círculo de amizades do zero em um novo país é buscar uma comunidade: grupos em redes sociais (como o Facebook) ou associações locais de brasileiros, por exemplo, podem ser o início de uma boa rede de apoio.
ALGUMAS HORAS NO FUTURO
O meu horário de almoço é o café da manhã da minha família, dos meus amigos e dos profissionais com quem atuo. Uma diferença relativamente pequena (em comparação com países como o Japão, que estão 12h à frente do horário de Brasília), mas que já me levou a finalizar uma palestra às 2h da manhã no horário de Viena (para os brasileiros que assistiam era apenas o início da noite).
Com o tempo, aprendi a ajustar minha dinâmica de trabalho com ações mais assíncronas (ou seja, que não precisam ser realizadas ao vivo, e independem da disponibilidade de agenda de outras pessoas). Para o que demanda a minha atenção em tempo real (especialmente de trabalho) adaptei minha agenda. Mais do que ajustes no calendário, a diferença de fuso horários me levou a repensar aspectos do meu negócio, e também intensificou minhas reflexões sobre temas como Online ou disponível? E por que essa diferença importa no trabalho remoto e "Desculpe a demora": por que removi essa frase da minha rotina. Recomendo a leitura de ambos os artigos.
Estar em um país diferente de onde nascemos é uma oportunidade incrível, com grandes descobertas. Ao mesmo tempo, há desconfortos e dificuldades que jamais precisaríamos lidar caso escolhêssemos não ter essa vivência. Para mim, tem sido um desafio constante equilibrar o quanto da minha própria cultura, brasileira, versus o quanto da cultura local, da Áustria, eu gostaria de integrar como minha no dia a dia. E cada vez mais, percebo que há o surgimento de uma terceira: uma cultura mais mesclada e única, que só uma experiência intensa como essa poderia proporcionar! :)
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Artigo publicado originalmente aqui.
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