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Foto do escritorValeska Petek

Transição de carreira: como usar sua experiência pra não recomeçar do zero


No começo da minha carreira eu não tinha muita noção do que esperar do mercado de trabalho. Pensava que se estudasse em uma boa universidade, automaticamente teria um emprego em uma grande empresa, que me possibilitaria ter um cargo com nome bacana e um salário atrativo.


Houve um período em que me senti feliz por representar uma empresa multinacional em uma reunião: era uma conquista estar naquela posição, e até o crachá era algo que simbolizava muito pra mim. Outro fator que também me trazia realização era atuar com algo relacionado à minha área de formação (o sonho de muitos profissionais ao terminar a faculdade). O que mais eu poderia querer?


Havia algo naquela configuração que não me trazia a mesma felicidade e por mais de um ano fui amadurecendo o tema comigo mesma. "Será que é o cargo? Ou o departamento? Quem sabe é a empresa? E se eu tivesse outras atividades?". Eu não tinha a resposta pra essas perguntas ao sair da última empresa onde fui funcionária, mas ter me feito esses questionamentos me ajudou a perceber que o meu próximo trabalho precisaria ser diferente.


Após um processo de autoconhecimento e planejamento, consegui entender quais mudanças gostaria de ter na minha vida profissional, e percebi que o desafio não parava por ali. Eu não sabia o que fazer com o medo do recomeço - muito menos com o julgamento que eu tinha comigo mesma de que eu estaria "desperdiçando" a carreira que eu havia construído até aquele momento. Afinal, após ter estudado tanto e trabalhado por mais de 10 anos no mercado, eu não queria recomeçar tudo do zero... e felizmente eu estava errada.


Não existe vergonha alguma em recomeçar, mesmo que fosse "do zero". No passado, você tomou as decisões que tomou com o conhecimento que tinha na época - se hoje outros caminhos te trazem mais felicidade, por que ignorar isso?


ANTES DE TUDO: "DO ZERO" DEPENDE DO PONTO DE VISTA


Tive uma experiência pessoal - que não estava nada relacionada à minha carreira - que me ajudou a perceber como eu era um pouco extremista na minha avaliação sobre os meus sucessos e insucessos: há alguns anos eu me comprometi a cuidar mais da minha saúde física, o que incluía perder um pouco de peso.


Para chegar lá, eu fiz algumas substituições de alimentos menos nutritivos por outros mais saudáveis e praticava exercícios com mais regularidade. Minha ideia era atingir a minha meta de forma que eu pudesse mantê-la depois, mais na linha de uma reeducação alimentar mesmo - e não através de alguma dieta muito restritiva que eu provavelmente não me sentiria motivada a seguir depois que alcançasse a tal meta.


Isso significa que eu mantinha o consumo de todos os tipos de alimentos, mas em melhores quantidades. Até aí tudo bem. Entretanto, percebi que eu tinha mas dificuldade de controlar a quantidade de alguns alimentos (quando me dava conta... ops! Já tinha comido mais do que precisava). Um exemplo são as massas, pois é algo que gosto, faz parte da cultura da minha família (descendente de italianos) e que associo com momentos de socialização ao redor de uma mesa.



Após perceber que havia consumido mais do que precisava, minha mente já vinha com o julgamento:


"Valeska, você não deveria ter comido essa quantidade. Agora vai ter que começar tudo de novo do zero!"


Felizmente, uma das ações que eu também tomei durante esse processo de cuidados com a minha saúde física foi falar do tema durante a terapia (pois sensações como a ansiedade influenciavam no meu consumo de alimentos). Me lembro como se fosse ontem de ter ouvido da minha psicóloga que:


"Se interpretarmos que corrigir uma ação teoricamente 'errada' é começar do zero, é como se estivéssemos jogando fora todo o esforço que você fez até aquele momento. Mas o fato de, em um determinado momento, você não ter seguido o que você considerava adequado, não invalida o que aconteceu antes. Você não está começando do zero, você está continuando de onde parou."

Essa forma de interpretar os ajustes que vão acontecendo ao longo da vida me trouxe muito mais leveza para diversos âmbitos, inclusive o profissional. Afinal:


  • Quando focamos na ideia de que estamos começando do zero, parece que estamos colecionando falhas e que o esforço dedicado até aquele momento não valeu de nada;

  • Já quando focamos na ideia de que estamos continuando de onde paramos, há a sensação de que houve uma pausa e, a partir dali, retomamos nosso caminho rumo ao nosso objetivo.


NÃO CHEGAMOS AOS 30 ANOS (OU 40, OU 50...) DE MÃOS ABANANDO


Hipoteticamente, se tivéssemos uma mala onde pudéssemos guardar tudo o que colecionamos durante a vida, ela teria mais ou menos esses itens:


  • As pessoas com quem convivemos, por mais ou menos tempo: familiares, amigos, relacionamentos amorosos, colegas de trabalho;

  • As instituições por onde passamos: escolas, universidades, empresas;

  • As experiências de vida que moldaram a nossa personalidade: durante nossa infância, adolescência e a vida adulta;

  • As referências que absorvemos: cursos que realizamos, livros que lemos, filmes que assistimos, conversas que temos em uma roda de amigos;

  • As habilidades que desenvolvemos: através de jogos, esportes, atividades artesanais e hobbies;

  • ... e muito mais!


Ao longo da nossa vida coletamos diversas vivências que nos tornam a pessoa que somos hoje. Ou seja, nossa bagagem se torna mais cheia (e mais rica) a cada dia - o que nos mostra que, independentemente do que nos propomos a fazer (como um novo trabalho, por exemplo), nunca estamos começando como se não soubéssemos nada. Claro que há um preparo necessário para estar qualificado para determinadas atividades, mas isso não significa que estejamos partindo totalmente do zero.


NOSSO APRENDIZADO NÃO ESTÁ RESTRITO A UM CARGO: ELE É NOSSO E PODE SER APLICADO A OUTROS


Vamos imaginar um profissional que ocupe o cargo de Comprador em uma indústria. Essa pessoa, provavelmente, aprendeu a:


  • Ter clareza do que pedir ao fornecedor (afinal, só assim o fornecedor poderá entregar exatamente o que ele precisa - seja um produto ou um serviço);

  • Negociar fatores relacionados à compra (como preço, prazo de entrega ou condições de pagamento - afinal, nem sempre o que o fornecedor oferece de primeira é o que ele precisa, e há a necessidade de alguns ajustes);

  • Ser uma ponte entre demandas da equipe interna com o fornecedor (por exemplo, ao ser informado por um colega que a empresa precisará antecipar a produção de um item, uma peça que chegaria em duas semanas precisaria chegar em apenas uma).


Mais do que compreender a descrição de cargo de um Comprador, o ponto é: vamos imaginar que esse profissional gostaria de fazer uma transição de carreira, indo de Comprador a, por exemplo, Gestor de Produção. As habilidades relacionadas a "clareza", "negociação" e "gestão de demandas" seriam úteis para esse novo cargo, certo?


E se formos mais longe e pensarmos em uma mudança mais intensa? Vamos imaginar que esse profissional decidiu resgatar um sonho antigo e quisesse se tornar Chef de Cozinha (falo mais sobre vaga dos sonhos aqui no artigo 3 passos para descobrir qual é a sua "vaga dos sonhos" (e como alcançá-la)). Provavelmente há um gap de conhecimentos, experiências e habilidades bem maior quando imaginamos essa mudança para uma área tão diferente da inicial. Mas será que é mesmo um sonho tão distante?


  • Ter clareza sobre o que deve ser entregue como resultado aos clientes em um restaurante faz a diferença para que se alcance a qualidade desejada dos produtos e do atendimento - e essa clareza também norteia outros membros da equipe para que contribuam para isso;

  • Ter uma boa habilidade de negociação pode ser um diferencial ao encontrar os melhores fornecedores - tanto pela qualidade dos produtos quanto pelos preços que possibilitem a sustentabilidade do negócio (afinal, é importante que o restaurante tenha lucro ao mesmo tempo em que oferece pratos com preços adequados ao público);

  • Ter facilidade ao gerir demandas, especialmente quando são imprevistos, é fundamental ao trabalhar em um ambiente que pode tanto receber 10 clientes em um horário de jantar quanto 50 - e todos buscando a mesma qualidade ao consumirem seus pratos.


À primeira vista, pode parecer que uma transição de carreira irá demandar adaptações tão gigantescas que não há nada a ser aproveitado, como se tudo o que tivesse sido construído até ali precisasse ser descartado. Mas não se trata de começar "do zero", e sim de ter estratégias para aproveitar tudo o que é possível (você pode também consultar um Mentor de Carreira pra te ajudar a planejar isso). Afinal, ninguém tem uma história idêntica à sua, e independentemente do seu objetivo, vale a pena planejar ações que te deixem mais perto de uma carreira que te traga mais realização! :)


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Artigo publicado originalmente aqui.

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